Em um dia do ano de 1979 estava em plena Presidente Vargas, pertinho da Igreja da Candelária, centro do Rio de Janeiro.Esperava o ônibus 422 (Grajau-Cosme Velho) para ir para casa .
De repente não mais que de repente senti uma pontada no pé da barriga, tão forte que olhei para ver se o 422 estava vindo.
Nada.
Comecei a sentir as tripas moverem-se como se empurra pessoas para entrar em um 422 lotado, como de praxe. Olhei novamente para ver se o ônibus apontava e só tive a noção exata que a coisa estava ficando incontrolável quando percebi que estava rezando uma Ave-Maria.
Mas não estava rezando para o ônibus chegar, sabia que não adiantaria mais, rezava para ser uma cólica renal, uma diverticulite ou algo menos constragedor.
Em uma situação destas a primeira coisa que fazemos é nos diagnosticar, mesmo não sendo médico. E após o conclusivo diagnóstico olhamos desesperados para todos os lados e avaliamos a situação.
18:30h Avenida Presidente Vargas. Estava no canteiro central sentido subúrbio, seis pistas de um trânsito intenso em uma direção e mais seis para o outro lado.
-Raciocine, mantenha a calma, falava para mim mesmo.
Mas como manter a calma se estamos com uma carreta dentro da barriga apitando e dizendo que vai passar por cima de tudo?
Corri desesperadamente tentando atravessar e pedindo para os carros pararem; ninguém parou porque não sabiam o que eu estava sentindo, pensavam no máximo que eu havia quebrado um braço ou perdido um olho, pois estavam menores do que o de japoneses na hora do Banzai.
Prédio e mais prédios na minha frente, todos comerciais, fechados ou fechando àquela hora .
Perguntei ao primeiro porteiro que vi onde era o banheiro, e ele deu uma risadinha escrota acho que pelo meu sotaque nordestino e pelo suor que esboçava não só na minha testa mas em todo o corpo, um suor frio como deve ser o da morte, e respondeu:
-O banheiro é exclusivo dos condôminos e já está fechado.
Prédios tão largos, pensei enquanto corria para o próximo.
Nesse momento em que o fim estava próximo, vislumbrei um fusca estacionado. Ainda bem que era o ano de 1979 e o pau que rolava era fusca, que no paralama dianteiro tem o pisca-pisca em forma de rolha. Sentei-me em cima do dito cujo para pelo menos ver qual seria meu próximo passo sem me cagar. E os passos tinham que ser curtos, sem abrir muito o compasso sob pena de me desfazer em merda.
Alívio momentâneo e a busca frenética por um banheiro, a essa altura banheiro se chama qualquer lugar que você possa se abaixar e tirar as calças sem ser visto por muitas pessoas, guerra é guerra.
O “Ser” vinha apitando dentro da minha barriga como um trem, e pelo visto deveria ter pelo menos um metro e meio de puro arroz feijão e bife.
Não, não poderia mais segurar, era muito mais forte que eu.
Tentei soltar um peido para ver se sobraria mais um espacinho para aquele monstro. Momento de concentração e pimba!
Era tarde demais, senti um tampão saindo e o resto veio atrás de forma pastosa e quente e consistente.
Calça Jeans azul, por que não usei a marrom hoje? O jeans é grosso.
Mas o que descia pelas minhas pernas era mais grosso, bem mais grosso.
Uma velhinha que estava a minha frente e observava todas as caretas, o suor no meu rosto os contorcionismos e os meus arrepios, saiu correndo pensando que eu estava recebendo um santo.
Estava completamente borrado, acho que até as meias estavam cheias de merda.
Retornei ao canteiro central da avenida e esperar o 422 todo cagado, mas esboçava um semblante supremo dos que sabem que a felicidade só é atingida na sua plenitude pelos que sabem o que é cagar.
Estava no ponto de ônibus e se a porra do Grajau-Cosme Velho demorasse mais 3 horas para chegar melhor.
E como tudo deve acontecer quando deve, o buzão chegou em 10 minutos .
-Mantenha a calma, você só está todo cagado, não olhe para trás (para a bunda), levante a cabeça e vá em frente (nessa hora pensei no Imperador japonês assinando a rendição da sua Pátria em um porta-aviões americano).
Depois de subir os degraus do 422 que era a parte mais difícil, fiquei em pé perto da roleta, e tinha dois assentos desocupados, mas permaneci impávido com minha mochila nas costas.
Na descida da rua Canavieiras perto do Grajau Country Club, desci 3 paradas antes da minha.
Não para secar a pasta que EU tinha produzido, afinal já estava no meu território e passava das 21 horas, desci para reflexionar sobre a arte de cagar.
Andei por 3 quarteirões pensando acerca disso.
Cheguei nesse dia a conclusão que melhor do que o advento do fogo, melhor do que a invenção da roda, foi descobrirmos que podemos cagar em paz, com privacidade e lendo alguma coisa.
Quando cheguei em casa fui direto para o banheiro, mas antes de tirar a roupa beijei o vaso sanitário!